O autocarro nº 9
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
Quando era miúdo, costumava apanhar o autocarro nº 9.
Sabia que ia para Campo de Ourique, onde se localizava a minha escola. Muitos outros entravam no autocarro, conheciam o seu destino, o seu percurso e as suas paragens. Ninguém tinha dúvidas, tudo era claro como água.
Hoje, com frequência, sonho com outro autocarro. Um autocarro negro, o que só o enobrece, mas cujo destino, percurso ou paragens, ninguém parece conhecer suficientemente bem. De tal forma, que muitos passageiros desesperam.
Durante muitos anos, o seu percurso foi bem conhecido. Percorria vielas e bairros históricos, jardins e ruas esburacadas, mas acabava por chegar ao seu destino. Pouco rápido, por vezes incómodo e até mesmo barulhento, mas chegava.
Entretanto, a placa de destino tornou-se progressivamente menos nítida, ao ponto de ser quase ilegível.
O autocarro, ou talvez os seus motoristas, começou a não perceber por onde ir nem tampouco para onde ir. Muitos dos que se habituaram a ruas e vielas, não as conseguindo encontrar no percurso, apearam-se abruptamente. Por vezes com estrondo. Muitos dos que entraram, neste percurso agora aleatório, protestam com a lentidão da máquina, acusam o barulho e a poluição do motor e exigem, já se vê, o investimento em vias rápidas, acessos desnivelados e outras mordomias.
O autocarro continua a andar, se agora entra numa viela, logo ali se aventura numa via rápida. Procura, quiçá, o seu destino, o tal que está na placa cada vez mais esbatida. Os passageiros? Esses não sabem se querem entrar, sair, continuar ou desistir. Como hão-de saber, se a placa estão tão esbatida?
Como era simples o autocarro nº 9.
Etiquetas: autocarro
Autor: Rogério Puga Leal » COMENTE: |
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on quarta-feira, 24 de janeiro de 2007 at 00:51.